Para marcar o início das atividades do ano, o programa promoveu em 9/3 um evento que contou com a participação das organizações-polo, coletivo-pesquisador, secretarias e outros parceiros de pesquisa
Como criar um ambiente escolar e avaliações e políticas de avaliação coerentes com a perspectiva da educação integral e transformadora? Entrando em seu terceiro ano de atuação, esta é a principal questão que orientará o trabalho do Escolas2030 no Brasil ao longo de 2022. O programa global que busca criar novos parâmetros para a avaliação da aprendizagem com base na prática da educação inovadora vem desde 2020 desenvolvendo um trabalho de pesquisa-ação em território nacional e em outros dez países do chamado sul global – Afeganistão, Índia, Paquistão, Portugal, Quênia, Quirguistão, Tajiquistão, Tanzânia e Uganda.
Para marcar o início desta empreitada, no dia 09 de março, o programa promoveu o primeiro encontro do ano entre sua comunidade, que contou com a participação das organizações-polo, coletivo-pesquisador, secretarias e outros parceiros de pesquisa, envolvendo cerca de 110 pessoas. Este foi um momento-chave, já que foi também o primeiro contato com o programa das organizações educativas convidadas nos últimos meses a integrar o coletivo-pesquisador, isto é, a rede de iniciativas inovadoras que participarão da pesquisa.
Para dar as boas-vindas e contextualizar os novos integrantes, Helena Singer, líder de estratégia na Ashoka, retomou as premissas e objetivos nacionais do programa. Helena pontuou como são raras as vezes que professores, gestores e estudantes têm a chance de serem ouvidos pelas gestões públicas e organismos internacionais sobre seu conhecimento em relação à educação de qualidade e sua avaliação. E que, mais raro ainda, são os casos em que estes atores estão no chamado sul global. “O programa procura mudar essa situação, apoiando as evidências produzidas pelas escolas e organizações não escolares. Além do foco no sul global, isso também é algo que quase nunca acontece: que organizações educativas não escolares sejam escutadas”, apontou Helena.
A exemplo do que ocorreu nos outros países, o Brasil teve autonomia para definir quais seriam as aprendizagens prioritárias para sua investigação. Para tanto, a iniciativa convocou, em 2019, uma oficina de co-criação envolvendo mais de 60 pessoas referências em educação integral e transformadora para discutir e refinar quais seriam estes objetos da pesquisa-ação. “Por fim, definimos que aqui vamos acompanhar empatia, colaboração, criatividade, protagonismo e autoconhecimento”, contou Helena.
A especialista também falou sobre como foi implementar o programa com o desafio extra da pandemia. Em 2020, com a imposição do trabalho remoto, o programa se reorganizou e estruturou um percurso online de formação, chamado Caminhos para uma Educação Integral e Transformadora. “A partir deste processo de ação e formação, foi possível consolidar as bases do que depois seriam os próximos passos do programa: o papel específico das organizações-polo na construção das ferramentas de pesquisa-ação; e o coletivo-pesquisador como esta rede onde estão todas as organizações que estão sendo convidadas para o programa com a proposta de alcançamos 100 no total”, contou Helena.
Atualmente, o coletivo-pesquisador do Escolas2030 conta com a participação de 83 organizações educativas, sendo 20 organizações-polo. Além disso, envolve 6 secretarias de educação, entre municipais e estaduais.
Manifesto Escolas2030 traduzido em uma experiência prática
O encontro teve sequência com a fala de Shirlei Lopes da Silva, vice-diretora da Escola Municipal Polo de Educação Integral – EMPOEINT, localizada em Belo Horizonte (MG), que relacionou trechos do Manifesto Escolas2030, espécie de carta magna do programa, com a prática cotidiana de sua escola, uma das 20 organizações-polo do programa. O trecho destacada e lido por Shirlei foi:
Compreendemos a educação integral também como formação do ser humano autônomo, emancipado, capaz de se apropriar das variadas experiências culturais, sendo autor de sua individualidade e sujeito da coletividade. É uma estratégia que amplia a concepção de educação e abre espaço para o envolvimento e responsabilidade de toda a sociedade.
A instituição escolar costuma ser concebida como um lugar apartado do mundo e especializado em disseminar um conjunto de conhecimentos considerados universais, mas a formação integral depende de outros espaços de aprendizagem para ocorrer. Visa à valorização da cultura comunitária, considerando a diversidade dos saberes e pontos do território.
A exemplo da perspectiva da educação popular, trata-se de contribuir para a formação de sujeitos livres das opressões a que as classes populares estão submetidas. Os conteúdos tipicamente escolares continuam ocupando um lugar relevante no processo educativo, mas não serão vistos como única possibilidade de acesso aos diversos conhecimentos historicamente acumulados e a uma miríade de saberes ainda por se conformar.
Assim, temos a intenção de identificar e incorporar a dimensão educativa inerente à multiplicidade de experiências sociais: na convivência familiar, nos diversos grupos culturais e identitários, nos movimentos sociais e em outras relações e interações dos sujeitos com a comunidade e com o território. Ou seja, compreender a educação integral não somente como política de ampliação de tempos e espaços educativos, mas como estratégia de pensar em novas experiências de aprendizagem. Devemos vê-la no marco das ações intersetoriais e da articulação das instituições educativas com as comunidades nas quais estão inseridas. Concebê-la como trabalho em rede e como gestão participativa.
A vice-diretora, uma das muitas mãos que colaborou para a escrita do texto, comentou sobre o porquê de ter selecionado esta passagem. “Em nossa escola, quando passamos a entender que a educação integral é muito mais do que ampliação de tempo, pensamos em como trazer para o percurso do estudante atividades que dialogassem, de fato, com uma proposta que tivesse os sujeitos no centro do debate”, conta. Neste novo entendimento, a escola desenvolveu uma série de práticas e dispositivos que procuraram relacionar os conhecimentos sistematizados pela escola com aqueles construídos pela experiência dos estudantes, fomentando um diálogo mais profundo com o território e com a cultura juvenil.
Exemplo disso são as Vivências Educativas, oficinas de livre escolha dos estudantes nas áreas de arte, cultura, meio ambiente, esporte e lazer, que são desenvolvidas por monitores de forma integrada aos temas trabalhados pelas áreas do conhecimento. Outro é a prática Conexão de Saberes, atividades ofertadas em conjunto por professores e monitores, ampliando as possibilidade de saberes oportunizados pela escola. “Um exemplo é a professora de Língua Portuguesa que desenvolve um teatro sobre a Pedagogia do Oprimido com a monitora de teatro”, conta Shirlei.
Na escola, que trabalha com roteiros de aprendizagem, há também um espaço chamado Salão do Saber. Ali, os roteiros são desenvolvidos em grupos compostos por quatro alunos e com o auxílio dos professores e monitores. “É uma aposta em um trabalho mais colaborativo. O estudante tem no seu colega um parceiro no processo de aprendizagem e não um adversário. As metas são colocadas para o grupo de forma que eles precisam ser solidários com os que estão com mais dificuldade” explicou Shirlei.
Finalizada a apresentação da experiência mineira, o encontro convocou os diferentes atores do Escolas2030 a aprofundar as trocas entre si por meio da divisão do grande grupo em salas de conversa voltadas para cada público específico. Nestes espaços, eles puderam esclarecer suas dúvidas e avançar sobre os pontos mais pertinentes para cada um.
Temática do ambiente
Outro momento-chave do encontro foi a apresentação da estrutura de pesquisa para este ano de 2022. Com tanto a ser feito, este processo será organizado por ciclos temáticos compostos por encontros síncronos periódicos com toda a comunidade do programa com o objetivo de gerar instrumentos de ação-reflexão, trocas diretas entre as organizações educativas da rede, além de dar origem a recomendações de políticas públicas como resultado da sistematização destes aprendizados. Ao todo, serão três ciclos com as seguintes temáticas: 1º) Ambiente; 2º) Avaliações Externas e 3º) Avaliações Internas.
O primeiro ciclo, portanto, debaterá pontos ligados à proposição e avaliação de ambientes educativos adequados ao desenvolvimento das cinco aprendizagens elencadas pelo programa. A proposta é discutir coletivamente em que aspectos as organizações inovam e fortalecem uma educação integral e transformadora a partir desta temática, bem como qual seria esse arranjo educacional, em suas características práticas, que permite o desenvolvimento destas aprendizagens.
Sobre este primeiro tema, Elie Ghanem, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da USP e coordenador da pesquisa-ação do Escolas2030, pontuou: “Há um reconhecimento em nossa rede de que, ao contrário do que tem sido tendência na educação escolar, que é a restrição e confinamento em ambientes fechados, as pessoas aprendem ao se relacionar com as demais”.
Para ilustrar essa importância, Elie fez menção ao livro de Marta Rojas, “A sala de aula verde”, sobre os processos educacionais na Nicarágua após a queda do regime ditatorial no país. Segundo o pesquisador, apesar do contexto de instabilidade e pobreza, os educadores nicaraguenses conseguiram encontrar alternativas para oferecer a melhor educação possível aos alunos naquele momento valendo-se, sobretudo, da criatividade. “Muitas vezes, as salas de aula eram abertas, a turma se reunia à sombra de uma árvore. Dizer isso não indica nenhuma preterência minha das condições materiais, pelo contrário, elas precisam ser incrementadas, mas não com a ilusão de que apenas elas contam para a qualidade da atividade educacional. Essencialmente, o que conta é a intenção e as formas de relação que ali acontecem”, defendeu.
Referenciando o trabalho da educadora Rosa María Torres, que destacou a adequação do ambiente como um critério para a avaliação da qualidade educacional, Elie continuou: “Além do edifício e equipamentos, é objeto do olhar para o ambiente se as pessoas se sentem bem naquele local, se estão felizes, se sentem acolhidas e seguras. Esses são aspectos que são pontos de atenção das experiências que estão aqui reunidas, mas que, em geral, são desconsiderados”, reforçou.
Por fim, os educadores presentes tiveram a chance de compartilhar suas impressões sobre o encontro e os planos do programa para 2022, provocados por três questões: qual o arranjo educacional possível/ desejável para a promoção das 5 aprendizagens priorizadas pelo Escolas2030 no Brasil? Quais as características práticas de arranjos integrais e transformadores? De que maneira tais arranjos promovem o desenvolvimento e avaliação dessas aprendizagens?
Como um fio condutor para respondê-las, Germano Ferreira, educador da Escola Técnica do Serta (PE), apontou alguns caminhos: “Romper com a ciência cartesiana no sentido de pensar uma forma de fazer ciência e conhecimento que esteja, sobretudo, a serviço da vida. E trazer o cotidiano e a vida das pessoas para a centralidade dos currículos das escolas, porque a vida é integral, é sistêmica”.
Próximos passos
O próximo encontro síncrono com toda a comunidade Escolas2030 acontece em 12 de abril e será dedicado ao debate sobre a temática do Ambiente para a educação inovadora. A proposta é que este momento gere insumos para a escrita das primeiras recomendações para políticas públicas sobre avaliações. Até lá, as organizações educativas estarão trabalhando em um levantamento (survey) que prevê a coleta e análise de dados de cada uma das instituições participantes em relação aos temas do programa.
Para finalizar o primeiro encontro da comunidade Escolas2030 de 2022, a equipe sugeriu que todos resumissem, em uma palavra, como saíam daquele momento de troca. Como é possível ver na imagem abaixo, o resultado nos permite esperançar!