19/04/2022 - Thais Paiva

Encontro da comunidade Escolas2030 discute recomendações para políticas públicas

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Propostas apresentadas no evento, que ocorreu dia 12/04, versaram sobre as condições para a oferta de uma educação de qualidade

Eleições estaduais e federal, regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE) e implementação do Novo Fundeb são alguns dos desafios e oportunidades que o ano de 2022 coloca no horizonte do cenário educacional e político brasileiro. Com o objetivo de incidir propositivamente no debate público em torno deste e outros temas de relevância, o Escolas2030 traçou uma meta: propor recomendações de políticas destinadas a promover uma educação integral e transformadora a partir da experiência das organizações educativas e achados da pesquisa-ação acumulados ao longo dos três anos de programa no Brasil.

Parte deste esforço ocorreu no dia 12/04 com o segundo encontro do ano da comunidade Escolas2030, onde foram apresentadas e debatidas duas propostas iniciais de recomendação sobre condições para a oferta de uma educação de qualidade. O evento contou com a participação de mais de 100 pessoas oriundas das organizações-polo, coletivo-pesquisador, secretarias e outros parceiros de pesquisa e teve como intuito a construção e validação coletiva das propostas a partir dos dados e das realidades dos educadores presentes.

Para subsidiar este debate, Elie Ghanem, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da USP e coordenador da pesquisa-ação do Escolas2030, fez a leitura da primeira recomendação e de sua justificativa para o grupo:

Recomendação 1 – O poder público deve oferecer apoio técnico especializado, financeiro e institucional (particularmente horas de trabalho de profissionais) à elaboração e realização de projetos de pesquisa de organizações educativas escolares e não escolares sobre suas próprias práticas, a fim de que as pessoas que as protagonizam exerçam igualmente a reflexão sobre o que fazem, produzindo coletivamente conhecimento que subsidie suas atividades educacionais e processos de avaliação.

Justificativa – A educação coloca constantemente a necessidade de ações para o incremento de sua qualidade, sendo de amplo consenso o papel chave que educadoras/es ocupam nesse desafio. Mas tais profissionais encontram grandes dificuldades para a reflexão rigorosa e sistemática sobre a educação que oferecem, principalmente por não contarem com apoio consistente para fazerem frente às exigências de compreensão balizada de suas atividades e realidades. A oferta desse apoio – em formas de contratação, remuneração e carreiras profissionais – favorecerá o caráter coletivo e a sustentabilidade dos projetos, a desejada integração entre educação superior e educação básica, ao mesmo tempo em que criará condições de crescente engajamento das/os profissionais no aperfeiçoamento da educação que realizam.

A fim de que a proposta pudesse ser ancorada em uma experiência concreta brasileira, a leitura foi seguida de um relato de Elton Luz, educador da Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa, situada em Pentecoste (CE) e uma das organizações-polo do programa Escolas2030. Em sua fala, o professor reiterou a importância do investimento na equipe docente, reforçou a necessidade de apoio, cuidado e de haver à disposição mais horas de contratação docente para se fazer pesquisa-ação. “O trabalho com pesquisa em sala de aula, para além de gerar modelos, traz motivação para a própria equipe, que vê seu trabalho ser reconhecido”, refletiu. 

Após estas considerações, Elie deu seguimento com a leitura da segunda recomendação e sua respectiva justificativa:

Recomendação 2 – Contando com o devido apoio técnico especializado, financeiro e institucional do poder público, cada organização educativa escolar e não escolar deve criar seu sistema de avaliação educacional, de modo a abranger também aprendizagens geralmente consideradas não-acadêmicas, tais como empatia, colaboração, autoconhecimento, criatividade e protagonismo.

Justificativa – O artigo 205 da Constituição Federal estabelece três grandes objetivos da educação brasileira: pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A atenção a esses objetivos vem sendo gradativamente assimilada a propostas na perspectiva da educação integral, não reduzida à adoção de jornadas de período integral em escolas. No entanto, além das aprendizagens referentes às variadas dimensões do ser humano estarem ausentes dos sistemas governamentais de avaliação educacional, só ocasionalmente ocorre um fator decisivo da qualidade da educação: as pessoas que realizam diretamente as práticas educacionais (educandas e educadoras) serem também sujeitos de sua avaliação.

Foi a vez então de Julia Maria Duarte e Maria Isabelly, ambas estudantes da  ENSC – Escola Nossa Senhora do Carmo, localizada em Bananeiras (PB) e organização-polo do programa, trazerem suas perspectivas em relação à proposta. Para tanto, as jovens falaram sobre suas vivências enquanto estudantes de uma escola que trabalha e avalia por meio da metodologia de projetos. “Em cada roteiro, a gente faz a nossa avaliação pessoal e a avaliação do tutor. No cabeçalho, já tem os valores que precisamos considerar para avaliar aquele roteiro a partir da matriz que construímos na escola, como responsabilidade, autonomia e autoconhecimento”, contaram. 

Comentando ambas as recomendações, o ponto de vista da gestão de uma rede municipal foi compartilhado por Solange Turgante, representante da Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos (SP), que falou, sobretudo, sobre as peculiaridades de ter um olhar macro para as políticas educacionais. “Sobre a primeira recomendação, em Guarulhos, os professores têm garantida em sua carga horária uma hora formativa em que podem escolher seu tema de estudo. Na parte financeira, temos uma verba própria para destinar para projetos pedagógicos que venham a subsidiar os projetos da rede”, relatou. 

Sobre a segunda recomendação, Solange continuou: “Guarulhos não adota nota nem conceito: são enviados relatórios avaliativos em cima das aprendizagens da matriz do município. O professor tem que fazer relatório descritivo das aprendizagens das crianças”, explicou.

Validação coletiva

Feito este compartilhamento de experiências, o encontro convocou os participantes presentes a se dividirem em grupos menores para então aprofundarem a discussão em torno das duas recomendações apresentadas. Para subsidiar este momento de reflexão, a equipe coordenadora do Escolas2030 dividiu algumas perguntas disparadoras.

Para a 1ª recomendação, as provocações foram:1) Quais são os exemplos de como a pesquisa-ação (e outras abordagens investigativas) contribui com a qualidade do trabalho docente? 2) Em quais momentos as organizações educativas sentiram que ter mais tempo para poder refletir coletivamente sobre suas práticas aprimorou seu trabalho? De que forma? 3) De que maneira as secretarias de educação já apoiam e/ou poderiam apoiar as equipes nas escolas contribuir com a qualidade do trabalho docente? 

Em relação à 2ª recomendação, as questões foram: 1) Como estudantes apoiam ou podem apoiar a criação de avaliações nas organizações educativas? 2) De que forma as organizações educativas avaliam? Tais avaliações contemplam as aprendizagens ditas não acadêmicas, entre as quais as 5 do programa (empatia, colaboração, protagonismo, criatividade e autoconhecimento)? 3) Existem ações de universidades, secretarias de educação e organizações da sociedade civil, entre outros atores, que apoiam a formulação e execução das avaliações pelas organizações educativas?

Os pequenos grupos renderam convergências e divergências importantes, algumas das quais compartilhadas posteriormente retomado o grande grupo. Lucas Garcia da Silva, professor no CIEJA Campo Limpo (SP), defendeu, por exemplo, a possibilidade de flexibilizar o tempo docente conforme seu interesse e necessidade. “Antes do CIEJA, estava em uma escola comum de São Paulo e terminando meu mestrado como arte-educador não recebi apoio nenhum. Já no CIEJA, temos a sexta inteira para formação. É um momento importantíssimo para coesão da equipe”, contou. 

Gisele Cantalice, professora na Escola SESC de Ensino Médio, também dividiu sua experiência enquanto docente de uma escola que incentiva a fazer pesquisa-ação sobre as suas próprias práticas. “Por exemplo, no uso de metodologias ativas em sala de aula, é comum os professores terem muitas palestras sobre o que é aula invertida, rotação por estações, etc., mas  – muitas vezes – falta o exemplo prático: como dou uma aula de Física usando aula invertida? Aqui, criamos e estudamos nossos próprios casos”. 

Para fechar o encontro da comunidade, Helena Singer, líder de estratégia na Ashoka, explicou os próximos passos para a validação e sistematização das recomendações em questão. Ambas ainda poderão ser comentadas pelo coletivo-pesquisador via um formulário. “Acho que o principal ponto agora é revisar o texto para que a horizontalidade da proposta fique mais clara. Também reforçar o momento político atual, não só as eleições, mas também as várias pautas educacionais importantes no Congresso.” 

Raquel Franzim, coordenadora de educação do Instituto Alana, fez coro a essa necessidade. Para ela, é essencial que as recomendações “cheguem com o máximo de urgência à Frente Parlamentar Mista da Educação que vem atuando de maneira decisiva sobre o Sistema Nacional da Educação”.

Terminado o prazo para as contribuições em relação às recomendações da comunidade Escolas2030, o documento seguirá para as adaptações, publicação e subscrição. Findando este processo, as recomendações serão, enfim, divulgadas publicamente. “Recomendo que as organizações educativas organizem debates sobre estas iniciativas e outras de interesse público para que as pessoas de sua comunidade possam se inteirar e participar”, complementou Elie.

Veja aqui o vídeo do 2º encontro da comunidade Escolas2030 na íntegra

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