Coletivo-pesquisador do Brasil foi representado pelo CIEJA Campo Limpo no evento, cujo tema foi equidade na educação
“Venho para o palco com a consciência de que não estou só. Enquanto homem negro represento 54% da população brasileira, com um total que ultrapassa a casa dos 210 milhões de habitantes, dos quais 11 bilhões são analfabetos e 98 milhões não terminaram o Ensino Fundamental”.
Foi jogando luz sobre este cenário de exclusão que compõe o Brasil que Diego Elias, coordenador geral do CIEJA Campo Limpo se apresentou diante de mais de 200 atores da Educação de diversas nacionalidades na 2ª edição do Fórum Global Escolas2030, que ocorreu de 5 a 7 de junho, em Porto, Portugal.
Nada mais oportuno, uma vez que o evento foi organizado sob a premissa de refletir sobre a seguinte questão: como podemos promover escolas mais inclusivas e aprendizagens pluralistas para todos até 2030?
Com a experiência de quem coordena um Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos que, neste ano, completa 25 anos de luta por uma educação de qualidade dentro da rede municipal de São Paulo (SP), Diego respondeu a esta questão reiterando a importância de incluir este público a partir do respeito e integração da cultura jovem e adulta à escola.
“Temos 1.059 educandos, a partir dos 15 anos, que não terminaram o Ensino Fundamental. Trabalhamos das 7h da manhã até às 10h30 da noite, de portas abertas para quem quiser entrar, o que, em um território de violência extrema, é considerado um dos maiores atos de coragem”, pontuou como orador da mesa “Inovações e caminhos alternativos para apoiar oportunidades de aprendizagem inclusiva para jovens”, que ocorreu no terceiro dia do Fórum (07/06).
Localizado no Capão Redondo, na Zona Sul da capital paulistana, o território chegou a ser considerado, em 1996, um dos lugares mais violentos do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU), superando taxas de homicídio de então zonas de guerra. Para se ter uma ideia, naquele ano, foram registrados 98 assassinatos para cada 100 mil habitantes.
Se de lá para cá, os índices de violência vêm diminuindo significativamente, tantos outros desafios perduram no território, como a segregação urbana, as disparidades sociais e raciais, a evasão escolar e a gravidez na adolescência.
Como estratégia de enfrentamento, o CIEJA aposta, sobretudo, na articulação comunitária. “Montamos um trabalho em conjunto com a comunidade, movimentos culturais, sociais, indígenas para a construção de um ambiente educador, bonito, verde, acolhedor e sensível, a partir de práticas coletivas e que consideram a cidade um ambiente educador”, contou.
Alicerçada nos princípios de Paulo Freire, a escola trabalha com o que chama de “um currículo baseado na vida”, que visa atender situações problemas do cotidiano. Na instituição, explicou Diego, a estrutura disciplinar foi modificada para refletir, por exemplo, sobre “a matemática da vida, sobre a conta de luz, o orçamento familiar, a redução de juros do cartão de crédito”.
Na mesa, o coordenador geral também refletiu sobre como o processo de pesquisa-ação desenvolvido na esfera do programa vêm contribuindo para o cotidiano da escola. A instituição elegeu investigar como duas aprendizagens aparecem em suas práticas: empatia e colaboração.
Como práticas ligadas à empatia, pontuou os portões abertos para a comunidade, que é convidada a participar de forma autônoma do processo de aprendizagem, o acolhimento e o atendimento personalizado em todos os ambientes, o compartilhamento de histórias de sucesso para o aprendizado, as refeições em conjunto, entre outras.
No tocante à colaboração, Diego destacou a escolha por mesas coletivas e não individuais, visando a aprendizagem em conjunto, as assembleias por meio das quais a comunidade decide os rumos da escola e o próprio processo de escolha dos temas geradores, isto é, daquilo que os alunos irão estudar ao longo do ano letivo.
Os resultados, compartilhou Diego, são muito mais qualitativos do que quantitativos: pessoas que entram na escola somente para aprender a ler e escrever e, quando encontram uma proposta autônoma e libertadora, vão adiante, concluindo a Educação Básica, ingressando nas universidades e reinserindo-se no mundo do trabalho. Além de outro ponto fundamental: pessoas que finalmente conseguem exercer sua cidadania de forma plena, seja por meio da emissão de documentos ou da reivindicação de seus direitos sociais.
Aprender com a diversidade
E como inclusão começa com participação, o primeiro dia do Fórum (5/7) promoveu o Youth Summit que colocou estudantes brasileiros e de outras partes do mundo para dialogar com o ministro da Educação de Portugal, João Costa. As demandas apresentadas foram, posteriormente, sistematizadas e entregues para os governantes presentes no evento.
No mesmo dia, a equipe Escolas2030 do Brasil ministrou uma oficina, que envolveu cerca de 30 participantes de diferentes nacionalidades. Entre os assuntos debatidos, apareceram as barreiras para promover uma educação com equidade e como a pesquisa-ação pode ser um método para enfrentá-las. Mais uma vez, o trabalho desenvolvido pelo CIEJA Campo Limpo foi o referencial para as vivências e trocas que aconteceram neste espaço.
Para Fernando Tavares, articulador da pesquisa-ação do Escolas2030 no Brasil, este foi também um momento-chave para difundir a perspectiva de inovação em um âmbito estrutural, como vem sendo trabalhado no Brasil. “Nos outros países, a inovação sempre é apresentada na perspectiva do indivíduo e não do coletivo. Fala-se sobre inovação na sala de aula, sobre professores e instrumentos inovadores, aplicação de novas tecnologias, entre outras coisas, mas dificilmente são apresentadas alternativas coletivas para se enfrentar determinada situação de caráter estrutural”, refletiu.
Neste entendimento, aponta Fernando, outra grande contribuição do Brasil para o Fórum é a compreensão por parte das instituições que participam do programa no país de que, ao enfrentar os desafios para alcançar uma educação inclusiva na escola, estão enfrentando ao mesmo tempo questões que estão na nossa sociedade.
A preocupação sobre como escalar as inovações, promovendo mudanças sistêmicas a partir das experiências de professores das escolas participantes, também pautou diversas falas que povoaram o Fórum. “Neste sentido, a escolha pela pesquisa-ação no Brasil como forma de estimular a sistematização, reflexão e aprimoramento de práticas nas organizações educativas, assim como a produção de recomendações e ações de incidência, estão em consonância com o que se pretende construir globalmente”, avalia Thais Mesquita, coordenadora executiva do Escolas2030 no Brasil.
Para ela, “a abordagem adotada em nosso país faz com que seja possível aprender sobre as condições necessárias para a inovação e construir formas de avaliação contextualizadas, fundamentais para o processo de aprendizagem que considera estudantes em sua integralidade e pluralidade”.
Fernando endossa essa opinião. Para o pesquisador, a estratégia de pesquisa-ação adotada pelo Brasil também acerta ao fomentar a horizontalidade na relação entre universidade e escola. “Os professores são vistos como pesquisadores, ou seja, são sujeitos do processo. Eles participam ativamente da elaboração e da execução da pesquisa com apoio de pesquisadores da universidade. Eles não são objetos de pesquisa, mas sim parceiros no desenvolvimento de uma investigação de longo prazo”
Em suma, os três dias de troca possibilitados pelo encontro deixam aprendizados e dão fôlego com o reconhecimento do trabalho que vem sendo feito no Brasil. “O Fórum nos trouxe não apenas a possibilidade de participar de diálogos fundamentais sobre inclusão e equidade na educação, seja por meio de palestras, oficinas e apresentações de inovações de professores de países diversos . Foi também um momento fundamental de disseminação de nossas perspectivas, métodos e resultados, sendo nossa comunidade muito bem representada por Diego, que envolveu e emocionou participantes e passou a mensagem sobre como educadores e educadoras estão inovando no Brasil.”, avalia Thais.