Evento abordou, a partir de diferentes pontos de vista, as conquistas e os desafios da educação integral e transformadora nos dias de hoje
O que você e sua organização já fazem para garantir a educação integral e transformadora para todos e todas? E como a pandemia vem transformando sua percepção e prática? Estas foram algumas das questões que nortearam o encontro “Educação Integral e Transformadora: diálogos transversais”, ocorrido no dia 02/09/21 com o objetivo de cotejar visões de pessoas de variados grupos participantes do programa Escolas2030 sobre as conquistas e os desafios da educação integral e transformadora nos dias de hoje.
Mediada por Natacha Costa, diretora geral da Associação Cidade Escola Aprendiz, e parte do Comitê Consultivo do Escolas2030, a roda de conversa trouxe como painelistas representantes de organizações educativas, redes de ensino, universidades e jovens para discutir e apresentar boas práticas que já acontecem ao redor do país, além de apontar caminhos futuros para a coaprendizagem. Foi também um momento de apresentar o programa global Escolas2030 para um público mais amplo.
“O Escolas2030 acontece em 10 países do chamado Sul Global e tem como premissa o fato de que esses países têm projetos educacionais que apoiam populações em contextos de vulnerabilidade ou em situações muito mais complexas. No entanto, são os países do Norte os autores dos indicadores de qualidade da educação”, explicou Helena Singer, coordenadora-geral do programa no Brasil.
A fim de inverter esta lógica, o programa irá acompanhar 100 organizações educativas em cada país participante, colocando-as como protagonistas de um processo de pesquisa-ação que visa apoiar estes atores para que possam melhor projetar, mensurar e apresentar novas soluções para alcançar o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4 até 2030. “Para dar conta de toda a diversidade do Brasil, a gente vem trabalhando na constituição do coletivo-pesquisador – essas 100 organizações educativas que vão formular este processo de pesquisa-ação nacionalmente”, acrescentou Helena.
A necessidade de considerar toda esta diversidade do território brasileiro foi justamente o que Juvêncio da Silva Cardoso, professor indígena da Escola Baniwa Eeno Hiepole, localizada na Terra Indígena Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), ressaltou em sua fala. “Estamos em um processo de avaliação institucional que tem nos mostrado uma série de avanços e desafios como escola indígena. Para se ter uma ideia, nossa escola foi fundada em 1984 pelos pastores com o intuito de nos ensinar a ler a Bíblia. Então, estamos nesse processo de rearranjo porque entendemos que precisamos dar um novo sentido cultural e territorial para o modelo de educação escolar indígena, que seja contextualizado e que atenda à nossa realidade e aos objetivos definidos por nós. Nossa metodologia visa valorizar nossos saberes indígenas e interligá-los com outros sistemas de cultura e produção de conhecimento e tecnologia”, colocou.
Juvêncio também falou sobre o paradigma da avaliação e como este vem se relacionando à padronização. Para o educador, as provas em larga escala têm historicamente ditado o que é aprendizagem e conhecimento válidos dentro de uma sociedade. E provocou: “Haverá no Brasil sistema de avaliação do saber e conhecimento indígena? Até que ponto isso pode contribuir com os sistemas de avaliação no Brasil?”
Iuri Rubim, diretor de Inovação e Tecnologia do Instituto Anísio Teixeira – órgão da Secretaria Estadual da Educação da Bahia -, falou sobre a experiência de trabalhar com um instituto que promove a formação de educadores, em tempos de pandemia. Além da apropriação das novas tecnologias com finalidade pedagógica, Iuri destacou como aprendizado a percepção de que poderiam valer-se do modelo remoto para agir localmente e globalmente ao mesmo tempo. “Percebemos que muitos professores estavam trabalhando de forma isolada. E então começamos a pensar grande: a gente não precisa só ultrapassar a barreira da sala de aula e dos muros da escola, a gente pode ultrapassar as fronteiras do município e do estado”, relatou
Também estava entre os painelistas do encontro, Eda Luiz, referência em Educação de Jovens e Adultos (EJA), que desempenhou por 22 anos o papel de coordenadora-geral do CIEJA Campo Limpo, em São Paulo (SP), uma das organizações-polo do Escolas2030. Para a educadora, os estudantes da modalidade enfrentam um momento particularmente sensível diante do agravamento das desigualdades e da migração para o modelo remoto. “Ainda temos 15 milhões de pessoas analfabetas que não têm essa oportunidade”, destacou. Eda ainda falou sobre as particularidades desse tipo de modalidade. “Não dá para pensar em EJA como “superar o tempo perdido” ou qualquer outro motivo que indique uma educação compensatória. A Educação de Jovens e Adultos tem que pensar por ela mesma, ter seus objetivos e metas próprias.”
Em sua fala, a jovem Maria Clara dos Santos, uma das fundadoras do projeto Fora da Bolha (MG), premiado no Desafio Criativos da Escola de 2019, e também reconhecida como Jovem Transformadora Ashoka, apresentou a iniciativa que incentiva os alunos a expressarem seus sentimentos dentro do ambiente escolar. “Queríamos mostrar para todos que, apesar das dificuldades, somos todos iguais e temos espaço.” Com a instauração da pandemia, o projeto se reinventou para ouvir os estudantes sobre os novos desafios enfrentados, principalmente, os causados pelo afastamento físico da escola. Para a estudante, ficou evidente a importância da escola como um espaço de encontro e das trocas entre alunos e professores. “Mesmo com todos os defeitos do sistema escolar, estar na escola fez muita falta na vida das pessoas”, conta.
Disposição para aprender com outro
Com tantas experiências transformadoras em curso no Brasil, o que falta para que estas iniciativas impactem de forma mais efetiva as gestões públicas e os sistemas educacionais? Na opinião do professor e pesquisador da Faculdade de Educação da USP, Elie Ghanem, falta articulação e abertura para aprender com o outro. “Uma das coisas que precisamos é que essas iniciativas consigam se encontrar. O que marca nossa realidade é a fragmentação e muito do que é nosso costume fortalece isso. Outra coisa é a pouca disposição para aprender e a enorme disposição para instruir, ensinar, direcionar”.
Estendendo a discussão para outros campos da política pública, o professor Elie apontou como o autoritarismo está arraigado em nossos costumes e atravessa estas proposições. “Por exemplo, as professoras e professores deveriam ser sempre chamados para a formulação das políticas educacionais e quase nunca o são. E políticas educacionais não poderiam ser entendidas estritamente como políticas escolares. Educar é uma tarefa de todo mundo”, frisou.
Para ele, são dois os grandes desafios da nossa educação: responder às necessidades da subjetividade de cada pessoa e responder às necessidades socio-políticas. “Nossa educação é alheia à personalidade de cada um e completamente ignorante da atuação sócio-política, que é quando se faz política pública”. Um caminho para romper com esta lógica, diz, seria contemplar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na prática educativa. “Os ODS dizem respeito a aspectos da vida comum das pessoas e que deveriam ser, justamente, o objeto da aprendizagem, da preocupação e influência das práticas educacionais”.
Veja o vídeo na íntegra do encontro “Educação Integral e Transformadora: diálogos transversais” aqui
Semana de Educação Integral e Transformadora
O encontro “Educação Integral e Transformadora: diálogos transversais” fez parte da programação da “Semana de Educação Integral e Transformadora”, que entre os dias 30/08 e 03/09/2021 promoveu uma série de atividades no âmbito da pesquisa-ação do programa Escolas2030 como oficinas, reflexões coletivas e mobilizações, com o intuito de debater e compartilhar experiências transformadoras de educação.
Além do evento relatado nesta reportagem, outros quatro encontros compuseram a programação, cada qual com um enfoque. No dia 30/08/21, uma roda de conversa com Jucie Parreira, secretário municipal de Educação e Cultura de Almirante Tamandaré (PR), apontou as possibilidades de atuação dos órgãos gestores de redes escolares no incentivo e apoio à elaboração e realização de propostas educacionais transformadoras. Na mesma data, ocorreu uma roda de conversa com universidades, com o objetivo de incentivar pesquisas propostas por alianças interinstitucionais, em diálogo com equipes das organizações educativas do programa.
No dia seguinte, 31/08/21, o encontro foi com estudantes, que trouxeram seus pontos de vista sobre o que é educação integral e quem a faz. E, por fim, uma conversa sobre pesquisa-ação com Sueli Lima Moreira (UERJ), no dia 01/09/21, promoveu o intercâmbio de ideias entre universidade e escolas que já participam de um processo de pesquisa-ação.
Assista a todos os encontros da Semana de Educação Integral e Transformadora na íntegra aqui.