Confira os destaques do encontro que ocorreu em 4 de maio na UFPR Campus Rebouças
Em 2017, o município de Almirante Tamandaré (PR), na região metropolitana de Curitiba, adotou uma nova postura para a educação. O propósito era reverter os altos índices de violência que o caracterizavam e construir não somente um novo currículo para a rede de ensino, mas um projeto de comunidade – caminho que invariavelmente passava pela educação. Suas 54 unidades educacionais deixaram de promover a mera “ensinagem” e se tornaram espaços de “educação para a vida”. Em outras palavras, a rede assumiu o compromisso de implementar a educação integral.
De lá pra cá, foram muitos os avanços. Alicerçado na tríade “estado, família e comunidade”, o município construiu uma nova matriz curricular por meio de um processo democrático, que envolveu intensa escuta e a participação de diversos segmentos da sociedade. Foi também essa articulação que possibilitou à rede garantir o direito à educação mesmo em tempos árduos como foram os da pandemia. Graças ao projeto Casas Sementeiras, por exemplo, mais de 300 pessoas da comunidade abriram suas casas para receber os materiais escolares de escolas próximas e distribuí-los, a cada quinze dias, para famílias do entorno – uma ação que fez a diferença, especialmente, nos contextos rurais.
Foi sob esta concepção integral e transformadora que a Secretaria de Educação do município, em parceria com Escolas2030 e a Universidade Federal do Paraná, promoveu no dia 4 de maio o primeiro Fórum Regional do Escolas2030, em Curitiba (PR), na UFPR Campus Rebouças. Desde 2020, Almirante Tamandaré (PR) é uma das secretarias de educação parceiras do programa e vem contribuindo com a pesquisa-ação e o debate sobre qualidade na educação pública de forma a gerar recomendações para políticas públicas no Brasil e no mundo.
Já na mesa de abertura, Jucie Parreira, secretário de Educação e Cultura de Almirante Tamandaré (PR), falou sobre como a intersetorialidade e o envolvimento com o entorno foram condições para a inovação na rede. Em sua fala, o secretário apontou como a educação integral dos sujeitos deve ultrapassar a visão do aluno como responsabilidade única de uma escola ou rede. “Pensar em uma escola inovadora é romper com as barreiras geográficas. É a garantia do desenvolvimento além de nossas fronteiras, além de uma burocracia, que é necessária, mas que muitas vezes nos impede de ter esses diálogos entre redes, entre atores, entre pessoas que moram perto, entre escolas”.
Esse necessário diálogo entre os diversos agentes que permite construir a rede de direitos dos estudantes também pautou a fala de Marcos Alexandre dos Santos Ferraz, diretor do setor de Educação da UFPR. Falando do ponto de vista da universidade, Marcos reiterou a necessidade da universidade pública estar aberta para a sociedade, não somente para a formação inicial e continuada dos professores, mas também como espaço para a sistematização dos saberes já produzidos pelos seus territórios adjacentes. “Um desafio é produzir conhecimento sobre a educação dos municípios da região metropolitana de Curitiba, produzir conhecimento que retorne para as redes e secretarias. Esse Fórum pode ser o início da caminhada de uma parceria entre o setor público federal e municipal para a melhoria da educação no Brasil”, colocou.
Ainda sobre o papel das universidades para o fomento da inovação na rede pública, Elie Ghanem, professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador de pesquisa-ação do Escolas2030, falou sobre iniciativas que antecederam o programa Escolas2030. Ele mencionou, por exemplo, o Mapa da Inovação e Criatividade na Educação Básica, lançado pelo MEC em 2015, que apontou centenas de experiências inovadoras Brasil afora. “Essa visibilidade significou articulação e um movimento de inovação educacional. Boa parte das organizações educativas que integram hoje o Escolas2030 vem desse mapeamento. Atualmente, temos estruturado, para cumprir nosso papel de universidade, apoiar os grupos locais para que realizem um projeto de pesquisa sobre suas próprias práticas no sentido de valorizar aquilo que já sabem, aperfeiçoar e extrair daí aprendizados que podem ser sugestivos para as políticas públicas”.
São estas políticas que assegurarão a meta central do programa: garantir o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4), isto é, a educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todas e todos. Neste ponto, Elie refletiu. “Um desafio é refazer a nossa forma de pensar e não somente a nossa forma de fazer educação. Como entendemos os 17 ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável]? Erradicar a pobreza não é também tarefa da educação? Temos um tipo de educação escolar que não lida com o que é concretamente problema da vida das pessoas”, apontou.
Afinal, o que é educação integral?
O Fórum teve continuidade com a mesa “Educação integral e transformadora: o que quer dizer?”. Entre os palestrantes estava Valdo José Cavallet, da UFPR Campus Litoral, que relacionou o conceito de integralidade e de tempo. “Venho de uma geração em que fomos provocados a acelerar. Para mim, só tem sentido ampliar os espaço educacionais se for para viver o tempo. Se for para ocupar o tempo com mais intensidade, não faz sentido. Vamos acelerar ainda mais as crianças para quê? As experiências mais exitosas são aquelas adaptadas ao ‘tempo de viver’. O conceito do tempo da criança é fundamental na educação integral. Ela [a criança] tem que se compreender, compreender o mundo, para depois agir no mundo”.
Valdo também versou sobre o conceito de inovação. “Quando se fala de inovação, cada um está falando de uma coisa. Inovação nunca pode ser um processo que exclua”. Para ele, é em processos comunitários de ressignificação continuada que construímos uma história mais humana e, portanto, uma educação integral e inovadora. “Educação deve ser um processo que nos humaniza”, concluiu.
Também compondo a mesa, Lucca Riechbieter, mentor do projeto Casa Labirinto, reforçou o entendimento da escola como um lugar de viver e esmiuçou sobre a importância do olhar atento dos educadores para os interesses infantis e juvenis. “Todo mundo faz alguma coisa bem. A gente está sempre criticando as escolas. Mas educação integral é também não perder a chance do interesse da criança por alguma coisa”. A metodologia da Casa vale-se do arquétipo do labirinto unicursal como ferramenta pedagógica para favorecer o brincar e a imaginação. “O labirinto é um arquétipo a serviço desses valores: interação, agência e cooperação”, explicou.
A perspectiva de quem trabalha na rede municipal de Almirante Tamandaré foi compartilhada por Michele Cristina Pinto Chromiec, diretora da Escola Municipal Professora Angela Antonia Misga de Oliveira, uma das organizações-polo do programa Escolas2030 no Brasil. A gestora contou sobre o projeto “InterAÇÃO” que vem sendo desenvolvido na escola desde o ano passado com alunos do 5º ano e que os convoca a pensar, quinzenalmente, em atividades que serão desenvolvidas com as crianças do Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI) Pequeno Príncipe como circuitos, brincadeiras e teatros.
“Percebemos, com o projeto, como eles se sentem donos da escola, conhecem os espaços, nos conhecem”, relatou Michele. Bruna Bertaiolli, coordenadora da mesma escola, acrescentou: “As crianças são protagonistas, amadureceram bastante com o projeto. Elas vão ao território, utilizam os espaços da escola, trazem o que precisa melhorar, e nós buscamos alternativas e vamos seguindo.”
Rodas de conversas entre pares
Pela tarde, o Fórum promoveu três rodas de conversa entre pares, de forma simultânea. Em cada uma delas, a proposta foi fomentar trocas entre atores de diferentes segmentos ligados à educação visando a construção de agendas de compromisso para a educação integral e transformadora no Paraná.
Na Sala Gestão de Política, a pauta foi o compromisso de gestoras e gestores públicos com a educação integral e transformadora. Além da equipe de Almirante Tamandaré, estiveram presentes membros das secretarias de educação dos municípios de São José dos Pinhais (PR), Balsa Nova (PR), Araucária (PR), Quitandinha (PR) e Rio Branco do Sul (PR). Na Sala Educadores, por sua vez, o tema foi pesquisa-ação e incidência política e a necessidade de colocar os educadores no centro da formulação de políticas públicas de educação.
Já a Sala Juventudes colocou em discussão o protagonismo das juventudes na transformação da educação. Entre as recomendações desta última sala, apareceu a necessidade de escuta dos estudantes e de empatia com a figura do professor. “Os professores estão na linha de frente, são pessoas e não máquinas. Têm suas famílias, seus problemas e, muitas vezes, percebemos eles agitados. Então, na escola, um precisa do outro”, apontou uma estudante.
No encerramento do Fórum, Jucie Parreira, secretário de Educação e Cultura de Almirante Tamandaré (PR), avaliou: “Esse movimento de educação inovadora vem construindo novas possibilidades e tenho certeza que estamos no caminho certo, que é o caminho coletivo. Onde ele chega, a gente não sabe, com certeza vai mudar muitas vezes, mas a forma da gente seguir junto, de valorizar o que é nosso e de construir algo calcado em nossa realidade já vem transformando a vida. Então, é uma alegria imensa estar reescrevendo a história do nosso município para nós mesmos, para as cidades do entorno e para o Brasil inteiro ver que das nossas nascentes nascem muitas coisas boas e a educação vem sendo protagonista dessa mudança”.