Veja os destaques do evento que compartilhou experiências transformadoras visando estimular a formulação de projetos interinstitucionais, com a contribuição do campo universitário para a discussão.
Com o objetivo de fomentar uma rede capaz de elaborar estratégias para a efetiva transformação das políticas públicas e diretrizes da educação no Brasil, nos dias 29 e 30 de junho, aconteceu o encontro Educação Integral, Inovação, Pesquisa e Formação Docente – Experiências em Andamento e Projetos a Realizar. Parte das atividades do Escolas2030, programa global de pesquisa-ação que busca criar novos parâmetros para a avaliação da aprendizagem, o encontro compartilhou diferentes experiências e pesquisas no âmbito da educação integral e transformadora.
Entre os convidados estava Lúcia Cristina de Barros, diretora da EMEF Prof. Waldir Garcia, localizada em Manaus (AM), que narrou o processo de inovação da instituição. “A escola estava para ser derrubada. Então começamos a nos articular com diversos atores, entre eles o CEFA (Coletivo Escola Família Amazonas), a ouvir as famílias e comunidade”, lembra.
Hoje, um dos pilares que sustenta a escola é a inclusão. “Temos muitos alunos imigrantes, do Haiti e da Venezuela, e percebemos que a acolhida era fundamental. Também ressignificamos a avaliação, porque entendemos que ela precisa ser formativa, então rompemos com a reprovação e começamos a trabalhar com a autoavaliação. Hoje, a escola Waldir Garcia é humanizada e humanizadora”, resumiu.
Ceane Andrade Simões, por sua vez, falou da perspectiva do CEFA. O coletivo, que começou a se organizar a partir das inquietações dos familiares com as escolas onde suas crianças estavam matriculadas, é hoje um exemplo da importância do envolvimento das famílias com a educação. “A oportunidade de diálogo era muito restrita e a perspectiva de incorporar aos saberes escolares os conhecimentos das famílias dá outro sentido para o currículo. Então, a gente vem discutindo a importância das famílias participarem dos conselhos escolares”, colocou.
A este entendimento fez coro Elton Luz, educador da Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa, situada em Pentecoste (CE). Com um trabalho estruturado a partir da aprendizagem cooperativa, a escola compreende as famílias e comunidades como partes fundamentais do processo educativo. No âmbito curricular, desde 2015, aposta na autonomia dos estudantes do Ensino Médio, oferecendo, por exemplo, a possibilidade de montarem seus currículos com disciplinas eletivas. “Os alunos se matriculam por interesse, não por ano. Inclusive, podem também ministrar aulas, como Inglês”, contou.
De Salvador (BA), a professora Valmira Ribeiro contou sobre a experiência da Escola Comunitária Luiza Mahin, orientada pelos eixos da identidade, pertencimento e gênero, e falou sobre os desafios de atender crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental 1, de contextos vulneráveis, em meio à pandemia. “Fomos percebendo uma ruptura entre educadores e educandos”, diz. Com o intuito de estreitar vínculos e driblar os desafios do modelo remoto, a escola começou a adaptar estratégias como os materiais que iam para as famílias. “Tivemos que mudar nomenclaturas e termos”, conta.
A experiência da Escola Municipal Professor Paulo Freire, em Belo Horizonte (MG), foi apresentada por Erika Fernanda Cecílio. Segundo a educadora, a gestão democrática está presente desde o surgimento da escola, fruto da luta da comunidade, que reivindicou sua abertura em um território onde só havia uma. Desde o início da pandemia, a escola tem feito um exercício reflexivo sobre sua prática. “Identificamos que nossas competências transformadoras eram estimuladas de uma forma meio orgânica. Então, nos últimos meses, passamos a nos debruçar sobre a obra do Paulo Freire por meio de um grupo de estudos e a elaborar algumas propostas”, contou.
David José Andrade Silva compartilhou a experiência do Instituto Federal do Paraná Campus Jacarezinho (PR). Em 2014, a instituição começou um debate sobre Ensino Médio Integrado e chegou a uma proposta curricular inovadora. “Saímos da lógica das disciplinas e passamos a ofertar unidades curriculares. Hoje, os estudantes compõem sua grade curricular a partir das opções disponíveis e ficam um semestre com essa configuração”, conta.
Trazendo a perspectiva das redes de ensino, Jucie Parreira, da Secretaria Municipal de Educação de Almirante Tamandaré (PR), falou sobre a importância de pensar a educação integral fora da lógica dos centros. “Falar de uma região metropolitana é falar de um lugar que sempre foi visto como periférico. Aqui, a escola que produzia sucesso era aquela que educava os meninos para irem embora, para viverem o sonho de Curitiba”.
O município, que enfrentava problemas como o alto índice de violência, com o envolvimento da comunidade, estado e famílias, está conseguindo mudar esses indicadores. “A partir de 2017, começamos a educar para a vida, a pensar uma educação integrada aos territórios e que corrobora um projeto de comunidade. Pois a escola é um lugar de produção de comunidade, de sentido comum”, concluiu.
Educação transformadora, pesquisa e universidades
O encontro “Educação Integral, Inovação, Pesquisa e Formação Docente – Experiências em Andamento e Projetos a Realizar” também visou estimular a formulação de projetos interinstitucionais, contando com a contribuição do campo universitário para a discussão da educação transformadora.
Assim, pesquisadores de importantes universidades brasileiras estiveram presentes para compartilhar suas perspectivas, entre eles David Cavallo, da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), que falou sobre ambientes de aprendizagem e criatividade. “Os seres humanos são naturalmente criativos, então por que perdemos estas ideias dentro da escola? Porque tudo é muito rígido, muito autoritário. Se fala tanto em educar para a democracia, mas as escolas são lugares autoritários”, apontou.
Especializado nos usos criativos da computação na educação, Cavallo ressaltou seu potencial para a ampliação dos projetos, das conexões e da qualificação dos processos de aprendizagem. Para o pesquisador, ainda predomina uma cultura escolar onde a criatividade é negada, preferindo-se o controle e as regras. “Por isso, é importante dar espaço para outras culturas que trazem outros olhares para a escola e o ambiente, como a indígena”, acrescentou.
Em sua exposição, Maria Isabel Cisca, da Universidade Federal do Ceará (UFCE), falou sobre aprendizagem cooperativa, trazendo como caso o programa PRECE (Programa de Estímulo à Cooperação na Escola). Segundo ela, além de promover uma aproximação entre professores e educandos, a metodologia coloca os estudantes no centro do processo de aprendizagem, conferindo-lhes protagonismo e autonomia.
Jaqueline Moll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apontou que todas as problemáticas enfrentadas pela escola pública são consequências de escolhas políticas. “No Brasil, vivemos o negacionismo há décadas. O país insiste em não aprender com aquilo que deu certo nas comunidades escolares e insistir naquilo que não deu. Precisamos superar isso”, defendeu. A pesquisadora versou ainda sobre o porquê de precisarmos da inovação pedagógica. “A escola precisa ser diferente porque precisamos enfrentar nossos desafios históricos, a dissociação entre a vida na escola e na vida fora dela, e criar um projeto de país.”
Já o escopo da formação de professores foi abordado por Sueli de Lima Moreira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que falou sobre o desafio de “formar professores para transgredir” e a pesquisa-ação como estratégia coerente com este objetivo. Segundo ela, uma questão que logo se colocou na sua prática foi como não replicar as condições autoritárias que, lá na sua adolescência, a tinham tornado professora. “Reconheci que minha prática de ensino e de pesquisa tinha que ser articulada às escolas, aos movimentos sociais, que eu tinha que chamar os professores para trabalhar comigo”, explicou, frisando que a articulação entre universidade e escola legitima ambas.
Daí a importância do Escolas2030 ser um programa feito “de baixo para cima”, com e partir das organizações educativas que dele fazem parte, e baseado na metodologia da pesquisa-ação, que alia a perspectiva da investigação com a ação. “A pesquisa-ação é um processo recorrente, de forma que o que se alcança a cada ciclo serve para o aprimoramento do próximo. E é necessariamente participativa. Mas o ponto não se trata de envolver ou não as pessoas, mas sim o modo. E na pesquisa-ação, é participar decidindo”, explicou Elie Ghanem, da Faculdade de Educação da USP, à frente deste processo de co-construção.
Ainda com tantas temáticas e experiências a serem compartilhadas, o encontro não poderia encerrar-se senão apontando os próximos caminhos para intensificar esta troca. A partir das próximas semanas, ela acontecerá por meio da plataforma Transformar em Rede (TERE), um espaço virtual pensado para colocar em contato e mobilizar todos os interessados na educação integral e transformadora. “A TERE será o grande ponto de encontro da comunidade Escolas2030”, explicou o pesquisador Ernesto Salles.
Além de um grupo voltado para o coletivo-pesquisador, isto é, para as 100 organizações educativas que protagonizarão a pesquisa-ação no Brasil, a ferramenta contará com o grupo “Rede de Educação Integral e Transformadora”, que contemplará diferentes atores da educação como membros do Comitê Consultivo do Escolas2030, parceiros ligados às universidades, coletivos de pesquisa, secretarias de educação, além de todas as organizações educativas que, apesar de não atenderem aos critérios de elegibilidade exigidos pelo recorte da pesquisa, têm muito a contribuir com o programa. Nos vemos lá?