Organizações educativas participantes do programa Escolas2030 destacam que ter um olhar para a vivência local e não ter um currículo homogêneo faz toda a diferença nas práticas inovadoras desenvolvidas
Por Ruam Oliveira. Texto publicado originalmente no site Porvir
Práticas que dão o nome de “inovadoras” a escolas pelo mundo nem sempre são iguais. De fato, elas quase nunca são. O primeiro Fórum Nacional das Escolas 2030, promovido pela Ashoka e pela Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), trouxe, na última terça-feira (22), representantes das 29 organizações que atuam em áreas de vulnerabilidade e integram o programa Escolas2030, para apresentar suas experiências e refletir a respeito da inovação em cada uma delas.
A proposta do programa é atuar por meio do que é chamado de “pesquisa-ação”, um misto de investigação sobre como lidam com o modelo tradicional de educação e uma análise da realidade, um diagnóstico sobre as aprendizagens. Tudo isso em diálogo com os contextos locais, que muitas vezes contribuem para as escolas desenvolverem novas práticas.
Neste aspecto de lidar com as diferentes demandas da comunidade escolar, cada organização inova ao olhar para o próprio entorno. Para isso, as instituições criaram os chamados “Marco Zero”, documentos para delimitar o processo de pesquisa-ação. Dzoodzo Baniwa, da Escola Baniwa Eeno Hiepole, em São Gabriel da Cachoeira (AM), pontuou que neste processo a escola foi capaz de perceber a própria trajetória e adequar as práticas para dialogar diretamente com o que vivem.
Antes de se chamar Baniwa Eeno Hiepole, que significa “umbigo do mundo” no idioma local, a escola teve outros dois nomes que homenageavam bandeirantes e era centrada em uma educação que pouco conversava com as pessoas que a frequentavam. Uma das inovações apontadas por ele, portanto, foi a modificação de nome e de uma matriz curricular mais próxima à comunidade.
“Com o Marco Zero, a gente resgata um pouco a história institucional da nossa escola avaliando os pontos positivos internos e os e os pontos fracos. A gente analisa também a política externa e como ela influencia na nossa decisão”, disse Dzoodzo. Por meio dessas análises, o professor destaca que essa atividade propicia a criação de um banco de dados para a escola, que, por sua vez, influencia na tomada de decisões e no planejamento anual.
Tendências em inovação
O relatório produzido pelo Escolas2030 apresenta quatro tendências em inovação que foram observadas nos documentos produzidos pelas 29 organizações escolares: alteração no método de ensino; orientação à realidade local e resposta a necessidades do contexto escolar; rompimento com práticas tradicionais de ensino; e processo de atuação sociopolítica.
Essas tendências foram reforçadas nas falas dos participantes do evento, que reuniu entidades educacionais de diversos locais do país na Casa de Cultura Japonesa da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP). Elie Ghanem, da coordenação do programa e representante da Faculdade de Educação da USP, pontuou que a semelhança percebida entre as escolas inovadoras é o desejo de adequar o que praticam às necessidades das famílias e das comunidades locais. “Essa sensibilidade e disposição é o que penso que anima a inventar formas inovadoras e diferentes de fazer educação”, disse.
Adriana Rebouças, da Escola Pluricultural Odé Kayodê, em Goiás (GO), concorda com Elie. Para a educadora, o que comunga as escolas inovadoras do programa é o desejo de modificar a educação, respeitando as especificidades de cada território. “A gente cria esse imaginário de escola, mas que de fato nunca existiu. Porque trouxeram para nós uma ideia que não cabe, de uma escola quadrada (…)”, pontuou.
A Odé Kayodê, que tem no nome uma ideia de caçador de si mesmo, em uma investida de autodescobrimento, traz em sua matriz um olhar para as culturas africanas e afrobrasileiras, com um currículo que privilegia as tradições. A educadora ressalta a importância de respeitar cada região, sem querer impor um modelo específico para todas.
Educação para todos
O Escolas2030 foca no item 4 dos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), que fala sobre uma educação que seja “inclusiva, equitativa e de qualidade” para todas as pessoas.
O texto do relatório pontua que as prioridades e expectativas convergem nas escolas inovadoras. “Preservar individualidades está ao lado da atenção quanto ao coletivo: valorização de culturas, territórios, comunidades, saberes e desenvolvimento local sustentável. A meta de práticas inclusivas e de equidade, especialmente antirracistas, está presente, assim como a de encontrar instrumentos para avaliar aprendizagens, a de dispor de meios de ensino que incorporem tecnologias digitais e a de promover a liderança e o protagonismo dos estudantes”.
Acesse o relatório completo aqui
O relatório também defende um entendimento das organizações sobre as cinco dimensões de inovação apontadas pelo MEC (Ministério da Educação) e pelo MIE (Movimento de Inovação nas Escolas).
São elas: gestão inovadora, com os gestores investindo na corresponsabilidade da elaboração do projeto político pedagógico; currículo, com abordagens integrais; metodologia, focando no protagonismo estudantil; ambiente, que visa uma alteração tanto pelo lado material, quanto nas relações interpessoais; e intersetorialidade, com um foco nas ações coletivas envolvendo entidades do poder público e de organizações da sociedade civil.