Mesas debateram a construção de indicadores que retratem, de fato, a qualidade dos sistemas educativos
As avaliações externas são importantes instrumentos para formular e monitorar políticas públicas de educação, mas são questionáveis quanto a reconstituírem um retrato fidedigno do que acontece nas escolas. Afinal, é possível aferir se o direito à aprendizagem está sendo garantido quando o termômetro é só o desempenho em leitura e matemática, por exemplo?
O segundo dia do Fórum Nacional do Escolas2030, em 23/11, debateu esses e outros pontos na mesa “Qualidade na educação e avaliação: como garantir a construção de indicadores que contribuam com a qualidade dos sistemas educativos?”.
Para falar sobre o assunto, Chico Soares, pesquisador da UFMG, trouxe a experiência de quem já esteve à frente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela elaboração e aplicação de uma série de avaliações externas no Brasil. De saída, o especialista apontou dois problemas intrínsecos aos instrumentos: sua superficialidade e seu caráter excludente. “O Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica], por exemplo, é uma prova múltipla escolha e a vida não é múltipla escolha, a vida te pede para criar soluções”, analisou.
Sobre o segundo problema, Chico destacou a invisibilidade das crianças que performam abaixo da média. “O Ideb[ Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] é média e direito não é média. Se você tem um aluno ótimo e tem um aluno que não aprendeu, o direito desse não foi atendido. Então, toda vez que alguém faz médias em educação, você tem uma exclusão intrínseca no cálculo”, disse.
Lucia Cristina Cortez, diretora da Escola Municipal Professor Waldir Garcia, falou do ponto de vista da gestão de uma escola que, em 2005, chegou a figurar um IDEB no valor de 3,5. “O mais grave é que as avaliações geram uma competição, um ranking. Lembro que criou-se uma corrida insana por números, desumanizando a escola”, contou.
Em meio a esse descontentamento, a Waldir Garcia passou a repensar seu modelo junto à comunidade. “Começamos uma gestão democrática, aberta à escuta. E com mudanças atitudinais dissemos ‘não’ à reprovação, àquele estilo de reprovação que fazia o aluno estudar para passar em uma prova”. Hoje, a escola é exemplo de inclusão e desponta a nota de 8,1 no Ideb.
A importância de ampliar a conceituação do que é qualidade na educação pautou a fala de Adriana Bauer, da Faculdade de Educação da USP. “A gente não pode falar só de qualidade na educação pelos aspectos que a gente consegue mensurar por meio de uma prova, os cognitivos. Temos que trazer outros indicadores, principalmente processuais. Se a gente não tem clareza dos processos envolvidos na aquisição dos resultados, a gente precisa de apoio, porque é isso que informa política pública e o projeto político pedagógico”, opinou.
Como avaliar aprendizagens transformadoras?
A programação do dia seguiu com a roda de conversa “Como avaliamos as aprendizagens transformadoras?”, mediada pela jornalista Marta Avancini, editora pública da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca). O bate-papo trouxe professores, gestores e estudantes de diferentes etapas da educação básica para discutir suas percepções sobre educação inovadora e avaliação.
Entre outros temas, os participantes frisaram a importância do protagonismo estudantil nestes diagnósticos, como foi o caso de Diego Elias, diretor do Cieja Campo Limpo, em São Paulo (SP). Além de um mapeamento que dá conta de reconstituir as aprendizagens alcançadas por cada estudante, as opiniões dos alunos compõem a avaliação processual da organização. “Convidamos os alunos para contar como o conhecimento contribuiu para seu fazer diário. Com essa sequência didática, o que você carrega para si na mochila da vida? Para seu trabalho, família, inserção na sociedade?”, relatou
Correlacionar desempenho acadêmico e cooperativo também é um desafio da EEEP Alan Pinho Tabosa, em Pentecoste (CE). O professor Elton Luz contou sobre como esse trabalho tem sido desenvolvido na escola por meio de uma metodologia que coloca o estudante no centro do processo. “Na escola, o estudante tem uma atividade individual, uma atividade de compartilhamento com o grupo e uma avaliação individual”, explicou.
Na EM Antonio Coelho Ramalho, em Ibiúna (SP), colaboração e protagonismo também são as vertentes adotadas. “Temos trabalhos em grupos com crianças de diferentes séries e idades. E não temos mais aulas, e sim planos de estudo. Então estamos procurando instrumentos para avaliar essas duas dimensões. A ideia é criar um índice, mas pensando na construção processual da aprendizagem”, relatou a diretora Mila Zeiger.
Empatia para transformar
O encerramento do Fórum aconteceu no dia 24/11, com o “Círculo de Aprendizagem sobre Empatia: Ressignificando a conversa e a convivência no universo digital”, ocorrido na Sala Crisantempo, em São Paulo (SP).
A conversa trouxe para uma grande roda diferentes perspectivas sobre o tema. Entre elas, a de Lucineide Pinheiro, do Instituto Mureru. A educadora mencionou o filósofo lituano-francês Emmanuel Lévinas (1906-1995) para falar sobre alteridade. “Penso que é perceber o outro na sua dimensão de pessoa, naquilo que é, de onde está e não do meu ponto de vista. E isso não serve só para as pessoas. Eu vivo na Amazônia e com tudo que está acontecendo, com a agressão à floresta, eu também penso na alteridade do rio Tapajós, da floresta, que também têm vida, um objetivo, que talvez seja até maior do que o meu.”
Esta percepção foi compartilhada por Marcelo Borges, fundador do projeto Folhas que Salvam. “Hoje, moro às margens do rio Araguaia e vejo seu assoreamento. Qual mundo estamos deixando para os filhos que vão chegar? Para cuidar, precisamos de empatia. O que mais ouvimos na luta ambiental é que é um trabalho de formiguinha. Mas a gente tem que entender que são várias formiguinhas pelo mundo todo e assim a gente vai transformando. Para isso, é preciso acreditar no processo e na causa.”
Para o influenciador Roger Cipó, é preciso se mobilizar para uma empatia que incomode. “Raça é pilar que estrutura as relações na sociedade. Então, estou discutindo se empatia tem cor, gênero e CEP. Porque essas empatias estão sendo constantemente atravessadas por violências. É muito fácil ser empático quando estou vendo casos de miséria na TV”, provocou.
Ser empático é também vibrar com a conquista do outro e reconhecer sujeitos, definiu o influenciador carioca Romulo Bolivar. “Falar sobre minoria não quer dizer excluir o todo, mas reconhecer sujeitos que estão, naquele momento, sob a força da exclusão. Empatia é, por exemplo, se ofender ao ouvir dizer que para entrar no Morro do Alemão tem que ser traficante ou amigo do traficante. Eu não sou traficante, sou educador”, concluiu.