O encontro aconteceu no ensejo da Consulta Pública aberta pelo MEC para ouvir estudantes, professores e demais atores da sociedade civil sobre a reforma
*Texto publicado originalmente no Movimento de Inovação na Educação
A condição fundamental para a inovação é a autonomia escolar, mas como garantir essa premissa dentro do que propõe o Novo Ensino Médio? Este e outros pontos pautaram o webinário “As escolas inovadoras e o Novo Ensino Médio”, promovido pelo Movimento de Inovação na Educação, no dia 05/06, com o intuito de abordar o processo de implementação da reforma em escolas que inovam na perspectiva da educação integral e transformadora.
O encontro aconteceu no ensejo da Consulta Pública aberta pelo Ministério da Educação (MEC) até 6 de julho de 2023 para ouvir estudantes, professores e demais atores da sociedade civil sobre a reforma do Ensino Médio. Desta forma, o webinário se propôs também a sistematizar recomendações para a etapa (veja no final do texto).
A referência norteadora da conversa foi o documento “Construção Coletiva de Propostas para o Ensino Médio”, construído a partir de encontros realizados entre outubro de 2018 e junho de 2019, em três cidades brasileiras (São Paulo, Brasília e Rondônia), com participação presencial e virtual de estudantes, educadores, gestores, pesquisadores e demais interessados no debate.
Entre suas propostas, constam a imprescindibilidade do protagonismo das escolas na formulação das políticas, a flexibilidade e a autonomia curricular. “Muitas dessas propostas falam sobre a escola ser o lugar onde nascem as políticas de educação. A gente precisa inverter esse jogo que sempre, no Brasil, a escola recebe tudo de cima para baixo: as políticas são definidas em gabinetes, seja das secretarias de educação, seja do próprio Ministério da Educação ou do Conselho Nacional de Educação e tudo chega já definido na escola. Essas propostas vão no sentido contrário para que as escolas sejam espaços de debates sobre as políticas, de construção do currículo, etc”, frisou a socióloga Helena Singer, mediadora do encontro.
Nesta perspectiva, o webinário reuniu educadores e estudantes de organizações educativas inovadoras para que, a partir de suas experiências concretas, apontassem caminhos. Um dos pontos destacados foi como as escolas que inovam criam suas próprias metodologias, de forma a afirmar a cooperação e a autonomia como eixos estruturantes do seu projeto político pedagógico. Exemplo disso é a Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa, localizada em Pentecoste (CE), cujo projeto político-pedagógico está alicerçado na metodologia ativa da “aprendizagem cooperativa e solidária”
Voltada para a oferta da educação profissional integrada ao Ensino Médio, a escola trabalha com diferentes estratégias que visam promover, sobretudo, o protagonismo dos estudantes. Exemplo disso é que na unidade os estudantes não só podem optar entre diversos itinerários formativos, como também podem liderá-los, compartilhando com seus colegas saberes e interesses. “A gente chega em um nível de protagonismo que os estudantes chegam a ofertar cursos, disciplinas eletivas”, contou o diretor Elton Luz. Na prática, esta possibilidade permite que os itinerários sejam múltiplos, flexíveis e contextualizados.
Outro ponto comum caro às escolas inovadoras é o diálogo permanente com os estudantes de forma a compreender e assim aproximar o currículo escolar dos anseios e necessidades juvenis. No SESI RS, essa troca acontece, sobretudo, por meio dos chamados “espaços de articulação”, práticas análogas ao componente Projeto de Vida. “Os estudantes, semestralmente, escolhem quais serão seus professores articuladores e eles têm encontros quinzenais para debater sobre sua perspectiva de vida, suas escolhas, do 1º ao 3º ano”, relatou o diretor Lucas Cabral Ribeiro.
Cursando o 3° ano na Escola Sesc de Ensino Médio, no Rio de Janeiro (RJ), Kaillany Victória falou, por sua vez, do ponto de vista de uma estudante de escola inovadora. Ela defendeu a urgência de estreitar as conexões entre alunos e escolas de diferentes contextos para buscar soluções comuns, além de espraiar as experiências transformadoras e integrais de educação para que a oportunidade de estudar nessas organizações não seja privilégio de poucos. “[É preciso democratizar o acesso às escolas inovadoras] para que a gente possa não deixar isso elitizado, mas para que isso chegue nas camadas que precisam”, pontuou.
O webinário também evidenciou como, nas escolas de Ensino Médio inovadoras, os estudantes são estimulados a se desenvolverem em suas múltiplas dimensões. Isto é, o desenvolvimento integral é trabalhado para além dos conhecimentos estritamente acadêmicos, sendo sustentado por meio de uma abordagem transversal ou interdisciplinar do conhecimento, como é o caso do IFSP campus São Roque (SP).
Na escola, o currículo de referência foi construído de forma a aliar as proposições da equipe docente e dos alunos. “[Os estudantes] mesmo propõem atividades. Eles têm os clubes de teatro, de dança, clube do livro. E do outro lado, temos os professores e técnicos propondo projetos”, contou Anna Carolina Salgado Jardim, professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e atual diretora adjunta de ensino do Instituto.
Estudante do 3° ano do Técnico em Meio Ambiente na instituição, Fernanda Furquim relatou um pouco sobre a experiência de estudar desta forma e destacou também a importância do olhar da escola para seu entorno. “Os projetos de TCC [monografias] são sempre muito voltados para a comunidade e os alunos colocam a mão na massa para realizar a pesquisa. Nosso campus está localizado em uma área periférica da cidade, então no meu curso, Técnico em Meio Ambiente, por exemplo, os projetos são sempre voltados à comunidades sustentáveis”, compartilhou.
Por fim, outro consenso foi o de que as escolas inovadoras reconhecem os saberes comunitários e, muitas delas, incluem os mestres da comunidade como orientadores de estudos. Sobre esta perspectiva falou Lainice Cardoso, estudante do 9º ano e comunicadora na Escola Baniwa Eeno Hiepole, em São Gabriel da Cachoeira (AM). “As oficinas interdisciplinares são momentos de aprendizagem coletiva, pois os conhecedores tradicionais também participam. Minha expectativa para o Ensino Médio é continuar estudando e ter a oportunidade de aprimorar os projetos que ainda estão em desenvolvimento aqui no Ensino Fundamental.”
Veja as recomendações para o Novo Ensino Médio geradas a partir do webinário “As escolas inovadoras e o Novo Ensino Médio”:
- O Ministério da Educação (MEC) deve ouvir e se inspirar nas experiências de quem está fazendo inovação hoje no país para pensar e formular suas políticas públicas;
- É urgente estabelecer processos de escuta dos estudantes e dos educadores, dentro das escolas. Também os movimentos estudantis têm suas demandas e sugestões, que devem ser consideradas;
- O MEC deve concentrar seus esforços no debate e na co-construção das políticas para que, depois, não necessite usar tanto tempo respondendo às críticas;
- O currículo do Novo Ensino Médio deve estar voltado para uma formação que desenvolva outras competências para além das acadêmicas;
- Não deve haver a imposição de uma política educacional de inovação, pois esta se dá por meio da co-construção;
- Ao se pensar em inovação, deve-se olhar para as experiências locais antes das externas. As respostas estão nestas experiências;
- O debate sobre políticas e o dia a dia da escola de Ensino Médio deve adentrar a formação de professores e técnicos administrativos em Educação. Para isso, é necessário haver tempo de debate entre educadores, estudantes, funcionários e demais membros da comunidade escolar;
- É urgente um Ensino Médio mais inclusivo, que valorize os conhecimentos e sistemas de saberes territoriais.