No evento, educadores, estudantes e gestores dos estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba puderam trocar práticas e debater políticas
No bairro de Felipe Camarão, em Natal (RN), crianças e jovens de diferentes idades balançam as fitas coloridas de seus trajes embalados pelo som da rabeca e outros instrumentos musicais ao dançar o Auto do Boi de Reis ao lado dos Mestres da tradição oral da comunidade. A profusão de música, cores e movimentos chama a atenção dos transeuntes da comunidade, que diminuem o passo e se apoiam sobre as janelas abertas ou tomam assento no salão para observar a celebração.
A cena bem ilustra a vocação do projeto Conexão Felipe Camarão: resgatar, valorizar e fazer a comunidade se apropriar da memória cultural dos mestres locais.
É por meio deste diálogo com o território que a iniciativa desenvolve a integralidade das crianças e jovens que ali participam de oficinas de Boi de Reis, musicalização, luteria de rabeca, capoeira, flauta, percussão, mamulengo, cultura digital e moda.
Foi este espaço que recebeu o Fórum Regional Nordeste do Escolas2030. Com o intuito de promover trocas entre as organizações educativas inovadoras pertencentes ao programa Escolas2030 na região e fortalecer a articulação de lideranças e atores locais, o encontro aconteceu no dia 14/09 e contou com a presença de educadores, estudantes e gestores dos estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba.
Na ocasião, os representantes das organizações educativas puderam apresentar suas práticas e políticas, bem como refletir sobre como o apoio e reconhecimento dado pelo programa vem contribuindo para a educação integral e transformadora em seus territórios, além dos caminhos para trabalhar em rede.
“É preciso integrar o solo nordestino, marcado pela pluralidade cultural, para que haja o exercício da educação integral. Este encontro significa a possibilidade de tecer esse tapete diverso que é o Nordeste por meio dessas práticas educativas que vocês trazem que, em simbiose e troca, nos permitem avançar”, disse Vera Santana, diretora-geral do Conexão Felipe Camarão.
Vera reiterou ainda a importância da cultura como instrumento de educação e meio de transformação social. “A educação integral é também pensar nos espaços interativos que essas crianças têm acesso, como os teatros, as quadras esportivas, os espaços culturais, os mestres tradicionais da cultura”, acrescentou.
Há mais de 20 anos realizando oficinas de Auto de Boi de Reis em escolas e outros espaços, Odaíza de Pontes Galvão, a Dona Iza, mestre de tradição oral, endossou essa importância. “Moro aqui há 50 anos e eu agradeço muito essa conexão que tem trazido muita vantagem para esse bairro”. Marcos Antônio de Carvalho, o Mestre Marcos da Capoeira, acrescentou: “Por meio dessas escolas [do programa Escolas2030] que já se movimentam, percebo que levamos para as intuições as histórias das tradições, a quebra de paradigma na educação”.
Novos parâmetros para educação de qualidade
O que significa educação de qualidade foi outro tema que pautou o Fórum Regional Nordeste do Escolas2030. Helena Singer, coordenadora geral do Escolas2030 no Brasil, chamou a atenção para a premissa do programa global de pesquisa-ação que busca criar novos parâmetros para a avaliação da aprendizagem com base na prática da educação integral e transformadora, com vistas a garantir o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4).
“Quando se diz que uma escola é boa, geralmente, é baseado nos rankings e exames externos. A gente precisa inverter essa lógica, por isso, apoiamos as organizações educativas a pesquisarem sobre suas próprias práticas ao longo de 10 anos [até 2030] com o apoio da universidade para que elas mesmas possam dizer o que é uma educação de qualidade”, disse.
Douglas Ladislau, articulador da pesquisa-ação, comentou sobre esta forma de realizar pesquisa adotada pelo programa. “Na pesquisa-ação, as universidades fazem pesquisa em parceria com as escolas. Atualmente, temos um conjunto de organizações que são referências em seus territórios no que diz respeito à educação integral e transformadora”, contou.
Essas 27 organizações-polo vêm desenvolvendo suas pesquisas a partir da seleção de uma prática destacada por elas mesmas como inovadora. “Cada instituição reflete sobre esta prática, produzindo indicadores sobre as aprendizagens, em um esquema cíclico. A cada ano, a escola escolhe uma prática e a analisa sistematicamente”, compartilhou.
Educadores nordestinos em conexão
Entre as organizações educativas presentes no Fórum estava a Associação Cultural Pisada do Sertão, representada pela cofundadora e gestora Rafaella Lopes Gonçalves Bandeira. Localizada em Poço de José de Moura, no interior da Paraíba, a instituição tem um trabalho voltado para a valorização dos saberes e fazeres do território, por meio da educação popular.
“A partir da escuta da comunidade, formulamos os eixos do nosso currículo: aprender a ser, aprender a fazer e aprender a conviver, e isso deu origem a uma metodologia”, contou. O currículo também integra atividades culturais como danças regionais, música, leitura, empoderamento digital, ludicidade, esporte, empreendedorismo e liderança.
Leila Coelho, por sua vez, compartilhou sobre as práticas da Escola Nossa Senhora do Carmo, localizada em Bananeiras (PB) e organização-polo do Escolas2030 desde o início do programa no Brasil. Alicerçada na educação popular e situada na zona rural, a escola se reinventou, agora como Escola dos Sonhos, em um processo que exigiu escuta ativa da comunidade e um olhar atento para outras experiências brasileiras e internacionais.
“A gente foi buscar experiências de escolas que faziam coisas diferentes para nos inspirar. A cada experiência, a gente refletia e pensava sobre como a gente podia trazer aquilo para nossa prática e, gradativamente, fomos mudando”, contou a diretora. Hoje, a instituição, que aboliu a seriação, trabalha com projetos de pesquisa multietário que abarcam as curiosidades das crianças em trilhas de aprendizagem.
Foi também falando da perspectiva dos desafios e potencialidades do contexto rural que Ana Lucia de Lima Ferreira, sócia fundadora do Instituto Abdalaziz de Moura, em Gravatá (PE), apresentou sua iniciativa. A organização nasceu em 2020 da mobilização de educadores, professores, técnicos em Agroecologia, entre outros profissionais de diversas áreas, que desenvolvem a Pedagogia de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (PEADS). Criada pelo educador Abdalaziz de Moura, a metodologia orienta programas e projetos que desenvolvem políticas públicas em diversas áreas do conhecimento, tendo a sustentabilidade como eixo central de suas ações.
Sobre o Fórum Nordeste, Ana Lucia refletiu: “Essas experiências nos fazem repensar como é rico conhecer as especificidades de cada local, valorizando e propagando essas ações para que essas pessoas busquem dias melhores e se desenvolvam. É muito relevante esses meios de trocas de saberes, de valorização do que as comunidades fazem e o que os projetos representam na vida dessas pessoas. Quando a gente soma essas histórias, a gente se torna um ser em transformação“.
De Jaboatão dos Guararapes (PE), Izabel Sena, diretora da Escola Técnica Advogado José David Gil Rodrigues, falou sobre o currículo da instituição integrado à formação profissionalizante e sobre a importância da troca entre educador e educando. “É com essa educação que trabalhamos, com essa premissa de entender que o educador precisa estar junto ao educando, ensinando e aprendendo”.
As bem-vindas parcerias entre escolas e projetos e outras ações de diversificação curricular foram exemplificadas com a presença de Felipe Barquete, coordenador da Semente – Escola de Educação Audiovisual, localizada em João Pessoa (PB). “Trabalhamos em parceria com as escolas com metodologias ativas que as ajudam a enriquecer o que fazem por meio das tecnologias audiovisuais”, contou.
A perspectiva da inclusão, por sua vez, pautou a fala de Erick Bernardo, diretor do Centro Municipal de Educação Profissional (CEMEP) de Ipojuca (PE). Segundo ele, o grande ponto de virada rumo à educação integral na instituição foi quando a rede passou a desenvolver processos e instrumentos para contemplar todos os alunos. “Começamos a incluir a comunidade quilombola, LGBT+, estudantes surdos, entre outros, na nossa rede. Hoje, a gente consegue dar vez e voz aos antes invisíveis”, colocou.
A defesa de Erick ecoou nas reivindicações das crianças e jovens do Conexão Felipe Camarão ouvidos em roda durante o Fórum. Conforme resumiu a garota Cecília Valentina: “Quase todo mundo falou de respeito. Se você não respeita o outro como pode ser respeitado?”.