Secretária esteve presente no encontro que ocorreu em Brasília de 10 a 12 de março, onde falou sobre avaliações externas, Novo Ensino Médio e equidade e inclusão na educação pública
Com o intuito de apresentar as pautas educacionais que serão prioritárias para o governo nos próximos anos, Kátia Schweickardt, secretária de Educação Básica do MEC, esteve presente na V CONANE (Conferência Nacional de Alternativas para uma outra Educação), no dia 12/03, na Universidade de Brasília (DF), onde protagonizou a conferência “A Educação Básica no Brasil: presente e futuro”.
De saída, a secretária falou sobre a atual percepção e o lugar que as avaliações em larga escala devem assumir para o novo governo. “Precisamos construir alguns consensos de modo a aferir, medir o que está acontecendo para que possamos prestar contas para a sociedade. Uma política precisa de consensos. O SAEB [Sistema Avaliação Educação Básica], por exemplo, tem muitos problemas, mas foi só por meio dele que percebemos que a desigualdade não acontece só por conta do nível socioeconômico do aluno, mas também por conta dele ser branco ou preto”, disse.
A secretária se referiu ao levantamento de 2019 que revelou, entre outros pontos, que enquanto 45% dos alunos brancos do Ensino Médio apresentaram aprendizagem adequada para a etapa em Língua Portuguesa, apenas 28% dos alunos pretos atingiram o esperado. Em Matemática, a desigualdade foi ainda pior: 11% dos estudantes brancos com desempenho adequado contra 4% dos alunos pretos.
Nesta perspectiva, a educadora ponderou: “[As avaliações externas] têm sim um lado perverso de aumentar a desigualdade entre os sistemas porque acaba todo mundo olhando para o ranking. Mas há também esse papel de comunicar o que está sendo feito. É muito difícil para um gestor público estabelecer um canal de comunicação democrático e transparente com a sociedade sem dados”.
Equidade e transformação
A fala de Kátia apontou ainda como questão nevrálgica a permanência e o acesso à escola. “Se no Ensino Infantil faltam vagas, no Ensino Médio elas sobram. De 0 a 5 anos, quase 550 mil crianças estão fora da escola. Já no Ensino Médio, quase 450 mil jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola e, neste caso, foi porque perdemos esses meninos”.
Para combater a evasão, a educadora endossou a necessidade de reinventar a escola. Para ela, ainda impera um processo de escolarização pautado na lógica da industrialização, do controle dos corpos, do trabalho repetitivo e sem criatividade. “A qualidade da educação passa por trajetórias emancipadoras de educação e elas não podem ter uma lógica só. A gente entende que toda educação só pode ter esse nome se estiver organizada a partir de uma visão integral e integradora dos sujeitos que compartilham o processo educativo. É preciso superar a ideia de educação integral como modalidade para alcançarmos a ideia de educação integral como princípio”, disse.
Outro ponto trazido pela secretária foi a urgência de sair do isolamento federativo para um compromisso federativo: “Estamos inspirados por uma visão sistêmica e colaborativa de política educacional, na qual municípios, estados e União assumam compromissos com educandos e educadoras que estão no chão das escolas e comunidades.”
Provocada pela plateia se o MEC investiria na transformação efetiva dos currículos ou em reforço de Matemática e Língua Portuguesa para reverter os baixos índices da Educação Básica, Kátia colocou: “Não podemos ter uma visão maniqueísta de reforço, pois ele pode ter outras perspectivas. O Mais Educação [programa do governo federal para fomentar a educação integral criado durante o prmeiro mandato de Lula] foi um programa que, entre outras coisas, tinha reforço. O papel do MEC é ter instrumentos para apoiar diferentes sistemas a partir de suas múltiplas realidades. O reforço de conteúdos é uma frente e há muitas outras.”
Também envolto em controvérsias, a implementação do Novo Ensino Médio foi outro assunto debatido pela especialista. Se por um lado, a secretária reconhece que o processo nasce enviesado por não contar com a participação efetiva da sociedade, ela também defende a necessidade de mudança curricular da etapa. “O antigo era muito ruim, o processo vinha sendo discutido há muitos anos e era um anseio das juventudes, dos pesquisadores, dos estudantes. Mas em algum momento esse debate foi desconsiderado pela Lei. Se tentou virar uma chave e não dá para dizer ‘a partir de agora vai ser assim’. Tinha que ter tido uma escala de tempo maior para sua implementação, ter tido uma discussão sobre os itinerários formativos para não agravar as desigualdades”, observou. Katia também chamou atenção para o impacto dos exames de acesso ao ensino superior sobre o ensino médio, enfatizando que é preciso a corresponsabilização de diversos atores para a transformação desta etapa de ensino.
Em entrevista ao Movimento de Inovação na Educação, Kátia Schweickardt falou ainda sobre política de inovação, o papel da pasta na indução de novos indicadores de aprendizagem e ajustes na reforma do Ensino Médio. Confira:
Movimento de Inovação na Educação: Há a possibilidade de a Iniciativa criada pelo MEC em 2015 para fomentar a Inovação e Criatividade na Educação Básica seja retomada? Como está essa discussão?
Kátia Schweickardt: Acredito que sim. A gente está desenhando o Compromisso Nacional pela Alfabetização que vai ser a primeira grande política junto à ampliação do tempo integral para apoiar essas iniciativas que estão acontecendo em estados e municípios. E uma frente do Compromisso vai ser uma espécie de premiação para reconhecer as boas experiências de alfabetização, inovadoras e criativas, nesse Brasil todo. Então eu acho que essa estratégia vai ajudar a gente a retomar esse mapa, do que está acontecendo de bom, apesar de tudo, no chão das salas de aula e sistemas. E isso também vai possibilitar trocas entre eles, entre professores e entre sistemas de ensino que estão trabalhando de forma inovadora e criativa o currículo, o território, as comunidades, etc.
MIE: Muito se falou de avaliação externa e como esses instrumentos vão ser utilizados pelo MEC, mas como fica a questão das aprendizagens que hoje não são medidas por estas avaliações?
KS: Essa é uma questão importante. Acabei de escrever um artigo com um pesquisador do Inep e um professor de uma universidade estrangeira, Guilherme Deschamps, sobre as salas multisseriadas na Amazônia e elas, por exemplo, não são avaliadas. Então o que eu venho trabalhando e discutindo com a nova direção do Inep, com o professor Manoel Palácios, é: nós precisamos construir suporte para que as redes façam avaliações de todas essas realidades, de todas essas salas, de todos esses estudantes. Agora, isso não tem como ser feito de forma nacional, isso vai ter que ser feito fortalecendo os sistemas estaduais e municipais de avaliação para que eles trabalhem a partir de suas realidades. Avaliação externa nacional não se presta a apoiar a melhoria da aprendizagem. Isso tem que ser feito por meio de avaliações formativas pelos sistemas estaduais. O MEC pode apoiar isso, induzir esse fortalecimento dos sistemas. Mas em nível nacional tem outra função: serve para ter pistas para as políticas nacionais. Mas para intervir na sala de aula tem que ser algo feito localmente, nos estados e municípios.
MIE: Sobre a reforma do Ensino Médio, vimos que será aberta uma consulta pública. A ideia é fazer uma revisão dos itinerários formativos? O que está sendo colocado para debate, exatamente?
KS: São várias frentes, por isso o ministro optou por fazer uma consulta. Primeiro, porque é uma lei que está em vigor, então a revogação – caso tivesse que acontecer – deveria ocorrer no Congresso. Mas você não tem como revogar algo que está em andamento com estudantes no segundo ou no terceiro ano do processo de implementação. Até para fazer isso deveria ter algo para colocar no lugar e não pode ser o retorno ao que era antes. Tem uma luta para ser superada. Então, para mim, o melhor caminho é esse: ampliar a escuta, ampliar os prazos, inclusive, do Enem. Eu acho que o grande equívoco foi querer que, em 2019, virasse a chave sem você ter analisado e conseguido melhorar todas as dimensões que tinham problemas da reforma. Também faltou direcionamento um pouco mais construído tecnicamente para os itinerários formativos. Não é só que não tem infraestrutura, é como você cria o mínimo para que depois cada sistema possa ir se organizando. Foi tudo muito açodado e isso inviabiliza a reforma do modo como está. Mas eu acho que, na medida em que o ministro lança um processo de escuta para revisão, isso já é parte do processo de mudança da legislação. O caminho é esse. Há uma marcação política, mas o MEC precisa construir algo para, aos poucos, ir melhorando o que está aí e ir substituindo eventualmente aquilo que não funciona.