Webinário do Movimento de Inovação na Educação apresentou a perspectiva dos próprios estudantes sobre a reforma da etapa
*Texto publicado originalmente no Movimento de Inovação na Educação
São diversas as análises sobre os impactos relacionados ao que propõe o Novo Ensino Médio. Mas o que pensam os próprios estudantes sobre a reforma? De que maneira a mudança dialoga ou não com seus interesses, necessidades e anseios? Foram estas vozes que protagonizaram o webinário “As propostas dos estudantes para o Ensino Médio”, realizado pelo Movimento de Inovação na Educação no dia 21/06 de forma a colaborar com a Consulta Pública aberta pelo Ministério da Educação (MEC) até 6 de julho de 2023 para ouvir estudantes, professores e demais atores da sociedade civil sobre o Novo Ensino Médio.
O encontro foi o segundo de um ciclo chamado “O Ensino Médio na perspectiva da Educação integral e transformadora” e deu continuidade ao debate ocorrido no âmbito do webinário “As escolas inovadoras e o Novo Ensino Médio”, promovido no dia 05/06 pelo MIE com o intuito de abordar o processo de implementação da reforma em escolas que inovam na perspectiva da educação integral e transformadora e que gerou recomendações para a etapa (veja aqui).
Para tanto, o painel reuniu jovens de diferentes territórios e contextos do Brasil para apresentar algumas das propostas surgidas dentro do contexto da iniciativa “Debates públicos nas escolas: reforma do Ensino Médio, a voz dos estudantes”, realizada pela Ashoka e pelo coletivo Encrespad@s. “A iniciativa busca facilitar o percurso de estudantes que queiram liderar debates nas suas escolas. Alguns roteiros são disponibilizados, assim como os estudantes podem construir roteiros sobre os temas que lhes interessam. Mas nesse contexto da reforma do Ensino Médio, a gente desenvolveu um roteiro especialmente para facilitar esse debate e poder incluí-lo no contexto da escola”, comentou a socióloga Helena Singer, responsável pela mediação do encontro.
Coordenadora do projeto e moradora de Recife (PE), Débora Myrlan compartilhou algumas das experiências que vivenciou à frente da iniciativa e demandas comuns vindas dos jovens. “Apesar de todas as mudanças e queixas, a principal é que eles deveriam ter sido escutados antes, de que deveriam ter participado desse processo de decisão, porque hoje são eles que estão sofrendo as consequências”. Débora ainda pontuou que esses impactos vão além do processo formativo educacional: “A gente está falando de questões de saúde mental e física. Os estudantes falando que não conseguem comer bem, dormir bem, que não conseguem estudar, ter um bom desempenho, que a carga horária está muito grande”, contou.
A partir dos debates que presenciou, Bruno Souza, co-fundador do Coletivo Encrespad@s, da Zonal Sul de São Paulo (SP), percebeu como recorrência a desconexão do sentido da escola com os propósitos de vida dos estudantes. “A grande maioria não está conseguindo criar conexão entre o que acontece dentro e fora da escola”, contou. Sobre as propostas que predominaram, Bruno destacou: “Estão muito relacionadas com esse lugar do protagonismo, da liderança, mas, sobretudo, da coletividade, de entender a escola como esse lugar de construir relações para a vida e para além dos muros da escola.”
Morador da cidade de Mata Grande, localizada no sertão de Alagoas, Luiz César da Silva, representante do Movimento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP), falou, por sua vez, sobre o potencial de adaptação dos roteiros. Ele contou que logo que foi apresentado à metodologia do material teve o ímpeto de aplicá-lo na zona rural. “Aqui, as escolas dos povoados são muito esquecidas. Quando vem algum projeto, fica na cidade, então os estudantes dos povoados não são ouvidos”, relatou. Em um dos debates que organizou, César contou que teve a constatação de que os estudantes se sentem sobrecarregados. “São pessoas que moram longe. Muitos saem às 5h da manhã e chegam em casa às 19h da noite. Passam o dia todo na escola”.
Outra reivindicação comum foi o estímulo ao protagonismo estudantil. “A escola está formando alunos não pensantes e nós queremos uma sociedade ocupada por pessoas que opinem, falem, reivindiquem seus direitos. Os alunos tinham medo de falar. Uma escola onde o aluno não pode opinar é [o mesmo que] contribuir para uma sociedade racista, homofóbica, etc., onde os alunos passam por diversas situações e não podem opinar”, acrescentou Luiz César.
De Santarém (PA), Luiz Henrique Ferreira, do coletivo Jovens Tapajônicos, chamou atenção para os estereótipos que atravessam as cidades amazônidas e sobre o descaso com os estudantes desses contextos. “A gente se sente invisível e as reformas nunca olham para a gente como parte da solução, como parte do que pode ser reformulado. Tudo que é criado no Sudeste, no Centro-oeste do Brasil é jogado para a gente como se fosse parte de nossa realidade”, disse. “Nunca aprendi sobre meu território na escola, nunca aprendi que eu moro em uma Unidade de Conservação protegida por lei. Então é muito difícil a gente morar na Amazônia e crescer com o espírito de defender esse local em um ambiente de formação que não tem isso presente”, acrescentou.
Para Lucas Gomes, presidente da Associação Mato-grossense dos Estudantes Secundaristas, a falta de escuta e participação das juventudes no processo de reformulação do Ensino Médio trouxe impactos drásticos. “Nada foi debatido com a gente: aumentaram nossa carga horária, tiraram matérias muito importantes, que nos formam para entender nossa função na sociedade”, apontou.
O estudante ainda versou sobre o que seria o Ensino Médio ideal. “A escola dos nossos sonhos é uma escola livre de racismo, de machismo, de lgbtfobia e de capacitismo e que dê uma perspectiva financeira digna. Então, daqui para diante, é debater com nossos estudantes qual é a educação que queremos para nosso país, porque quando a gente debate educação, a gente debate também juventude, meio ambiente, cidades sustentáveis e por aí vai. A escola vai definir o futuro da nossa sociedade”, finalizou.