As organizações educativas têm promovido o vínculo com as comunidades por meio de estratégias que buscam contornar os impactos da crise sanitária.
As organizações educativas não-escolares no Brasil têm encarado múltiplos desafios no cenário da pandemia de Covid-19. Com atuações extensas que, frequentemente, dão conta de construir pontes intersetoriais, elas são muitas vezes as responsáveis por articular diferentes agentes com a comunidade local e encaminhar questões específicas de seus territórios como acesso à alimentação escolar, apoio pedagógico aos alunos e famílias e, até mesmo, medidas que garantam a proteção de todos em casa.
Com o isolamento social, este vínculo tem sido mantido por meio de novas estratégias que buscam contornar os impactos negativos da crise sanitária. No maior complexo de favelas da cidade do Rio de Janeiro, o Complexo da Maré, as preocupações, porém, são inúmeras: vão da evasão escolar no momento de retorno às atividades presenciais ao desemprego das famílias.
Kelly Marques, coordenadora do Eixo Educação da Redes da Maré, conta como as estratégias remotas adotadas pelas secretarias de Educação não conseguem atingir todos os estudantes do território e tensionam famílias ao exigir um suporte escolar que muitas não podem oferecer.
“Há uma demanda de acesso à internet, computador, celulares que comportem aplicativos. Além desse ponto, a própria dificuldade de concentração, a sobrecarga de mães trabalhadoras que hoje não contam com o apoio de escolas e creches, o aumento do número de casos de violência contra crianças e adolescentes e contra a mulher, meninas que acabam assumindo o papel de donas de casa, o desemprego e a dificuldade de acesso a bens e serviços culminam em uma série de questões sociais e episódios de ansiedade”, relata.
Diante de tantos percalços, a organização tem se valido de sua cadeira no Conselho Municipal de Crianças e Adolescentes para interferir em ações pensadas para esse público. “Estão sendo realizadas reuniões remotas com alguns diretores de escolas da Maré e pensadas pautas mais urgentes como a própria campanha “Maré diz NÃO ao Coronavírus” de distribuição de itens de higiene, limpeza e cestas básicas”. Já na iniciativa “Nenhum a Menos”, também mantida pela organização e que tem como público alvo crianças com dificuldades de aprendizagem, o atendimento das famílias segue via Whatsapp.
Outra ação de mitigação dos impactos da Covid-19 é o diálogo frequente com a Fiocruz para a produção de peças de comunicação mais acessíveis. “Por exemplo, temos um projeto de alfabetização de mulheres que não são atingidas por mensagens de texto, então compartilhamos vídeo-novelas e áudios. Essas mulheres, inclusive, seguem realizando atividades pelo Whatsapp através de vídeos elaborados pelas alfabetizadoras”, conta Kelly.
A realidade na zona rural
Localizada na zona rural, a Estação do Conhecimento Arari, no município homônimo do Maranhão, atende 31 comunidades da região, recebendo mais de 500 crianças e jovens no turno complementar à escola com oficinas que integram eixos como esporte, multiletramento e cultura. Com a suspensão do atendimento presencial em meados de março, um dos desafios que a unidade teve que enfrentar foi o fato de que apenas 57% das famílias dispunham de redes sociais como o Whatsapp.
A solução foi aproveitar a logística que já havia sido estruturada para a distribuição de alimentos na região. “Como estamos entregando mensalmente um kit de suplementos alimentares, encaminhamos junto um caderno de práticas pedagógicas contendo brincadeiras e jogos com intencionalidade pedagógica que se relacionam com a tradição e cultura local e que se aplicam tanto ao público de crianças como adolescentes, além de envolverem as famílias”, conta Pedro Carlos Verde Filho, diretor da EC Arari.
Em paralelo, a organização produziu vídeos, podcasts e outras peças digitais para veicular via whatsapp e no site da instituição. “É um momento difícil, no qual muitos direitos das crianças e mulheres estão sendo ameaçados. Sabemos que estar na escola e na Estação é uma forma de proteção contra o abuso, a violência. Então temos trabalhado também o empoderamento por meio da proposição e operacionalização de ações no Fórum do Direito das Crianças e do Adolescentes onde a Estação do Conhecimento tem assento”, relata Pedro.
Além desses encaminhamentos, a organização firmou uma parceria com a rede municipal de ensino para elaborar conjuntamente o caderno de práticas pedagógicas de julho. “Vamos alcançar mais de 2 mil crianças dos anos iniciais. Estamos fugindo da visão conteudista, porque não adianta dar um livro didático para o jovem e falar “leia”, mas precisamos dar continuidade à garantia do direito de aprendizagem dessas crianças”, afirma Pedro.
Reflexões sobre o porvir
Há 35 anos atuando na educação popular e no desenvolvimento comunitário a partir da cultura em diversos lugares do País, o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) conta com os agentes que moram nas comunidades para dar continuidade ao trabalho mesmo que remotamente. Destes diálogos, apareceram várias necessidades das famílias como acesso à máscaras, produtos de limpeza e alimentos.
“Então começamos a organizar a distribuição desses itens. Os alimentos do Sítio Maravilha [Centro de Permacultura no Vale do Jequitinhonha], por exemplo, estão indo para essas casas. Além disso, os recursos digitais estão sendo utilizados como meios para estar em contato e envolver a comunidade. Todos os jogos e brinquedos construídos pelas crianças e jovens estão sendo sistematizados no nosso portal virtual por meio de oficinas, vídeos, etc”, conta o diretor Tião Rocha.
Paralelamente às ações de campo, o CPCD assumiu o papel de promover reflexões sobre a atual conjuntura e os debates já pautam como serão as formações dos projetos pós Covid-19. “Temos reuniões com os educadores para olhar como queremos ser no futuro. A gente percebe que não dá para fazer mais do mesmo. Nossas relações com a vida, com o planeta, com as pessoas precisam agora ser o centro da preocupação. Temos que interromper com essa lógica mercantilista, da exclusão como se a vida fosse uma corrida de obstáculos onde um tem que chegar primeiro que o outro. A vida não é para ser vencida, é para ser vivida. Então, no futuro, vamos refletir sobre isso nas nossas práticas, rodas e projetos”, arremata Tião.
Texto publicado originalmente no Movimento de Inovação na Educação